Categoria Artigos e periodicos

porReinaldo Santos

Tirania Infantil – Contardo Calligaris

Claro, pensei na série “Supernanny”, que, no Brasil, está na quinta temporada, no SBT. “Supernanny” é um reality show, no qual a educadora Cris Poli visita famílias que se inscreveram previamente pedindo a ajuda de uma superbabá. Poli observa, analisa o que acontece e aconselha os pais. As sugestões práticas de Poli já devem ter ajudado muitos pais desesperados: até agora, há mais de 30 mil famílias que se candidataram. Não é o caso de estranhar: o desespero dos pais que não conseguem controlar suas crianças é a consequência extrema de traços culturais específicos de nossa época.

1) A tirania infantil é o regime no qual vivemos: ela foi decretada há 200 anos, no mínimo. A partir do fim do século 18, acreditando ou não que haja uma vida no além, a gente começou a considerar que a morte é o fim da única vida que importa: a nossa. A continuidade da espécie, do vilarejo, do sobrenome, da alma ou da torcida organizada de nosso time pararam de ser um consolo: “Quando eu morro, a coisa acaba”. Só uma exceção: as crianças, que se tornaram, para nós, a única forma concreta de sobrevivência: “Morro, tudo acaba, mas os filhos me continuam, eles jogarão por mim os tempos suplementares de minha vida”.

2) Um efeito imediato dessa mudança cultural é que passamos a querer que as crianças sejam (ou pareçam) sempre “felizes”. Desejamos que elas encenem a felicidade de nossa vida “futura”, ou seja, de nossa vida como esperamos que ela continue depois da nossa morte. Por consequência, educar se tornou impossível: sei que, a longo prazo, Joãozinho e Mariazinha se darão melhor na vida se ele parar de fazer cocô na sala e ela deixar de visitar a cama dos pais a cada noite, mas negar-lhes esses “prazeres” significa encarar um espetáculo de choros, gritos e raiva. Como aguentar a infelicidade daqueles que são encarregados de me mostrar desde já a felicidade que eu não tive, mas que terei post mortem?

Frustrar os filhos significa admitir que nossas frustrações sobrevivem à gente, que, de uma maneira ou de outra, elas continuam na nossa descendência. 3) Na mesma época em que as crianças se tornaram representantes de nossa vida além da morte, começamos a organizar nossa sociedade pelos sentimentos. Não só nos casamos por amor, mas até nossos laços de sangue pouco valem sem os afetos. Passamos de um mundo em que havia laços com ou sem sentimentos (tanto fazia) a um mundo em que os sentimentos são condição dos laços.

Por exemplo, para ser pai ou mãe é preciso ser reconhecido e amado como pai ou mãe; o respeito não é gratuito nem “natural”: ele é ganho como se ganha o afeto do outro em qualquer relação. Os pais modernos devem, em suma, conquistar (e manter) seu lugar no coração e na cabeça dos filhos. Sem isso, eles param de ser pais. Portanto, a cada vez que eles impõem um castigo ou fincam o pé, eles são corroídos pelo medo de perder seu próprio lugar de pai e mãe, porque 1) as crianças poderiam deixar de amá-los; 2) eles mesmos estariam, naquele instante, deixando de amar suas crianças. Certo, na hora da irritação, amamos menos nossos rebentos; problema: se o amor é condição dos laços, eis que a família é ameaçada de dissolução por nossa “severidade”. Castigar parece valer como uma expulsão do lar.

Por isso, os pais não conseguem castigar sem culpa, e as crianças castigadas, por exemplo, fogem de casa, entendendo que seu lugar não é mais ali. 4) Como se não bastasse, o castigo é imediatamente acompanhado por seu contrário. Os pais tentam se impor e se fazer valer (recorrendo, exasperados, até à força), mas, com isso, receiam perder o amor da criança e seu amor por elas, ou seja, receiam acabar com a família. Logo, quando eles castigam, querem imediatamente “reparar” o amor: a educação se transforma assim numa alternância repentina de pancadas e mimos.

Tranquilize-se: as crianças não enlouquecem; mas se tornam, isso sim, manipuladoras, ou seja, aprendem a produzir elas mesmas a alternância que desejam: “Castigue-me, que estou a fim de um mimo”.

Esse texto foi retirado do blog,contardo calligaris,o qual é composto por seleção de textos do referido autor.http://contardocalligaris.blogspot.com/2009/02/tirania-infantil.html

porReinaldo Santos

Inclusão de Crianças com Necessidades Educativas Especiais na Escola Regular: a ótica do professor.

Os resultados demostraram que os professores foram concordantes nos seguintes aspectos: suas expectativas, a necessidade de receberem supervisão durante o processo inclusivo, o uso de avaliação diferenciada para as crianças PNEE e a necessidade de se trabalhar a temática da discriminação, presente nas salas em que há inclusão de alunos PNEE. Os professores diferiram em relação aos temores apresentados, à necessidade de adaptação curricular, à parceria família-escola, as dificuldades apresentadas pelas crianças incluídas, aos benefícios desta experiência para elas e à aceitação destas crianças pelo resto do grupo.

Palavras –chave: Inclusão, necessidades educativas especiais, escola regular, adaptações curriculares, preconceito.

A escola, as práticas de Exclusão e o paradigma da Inclusão

Considerada uma forma de violência na escola, as diversas maneiras de exclusão social têm sido amplamente discutidas nas reflexões em torno da inclusão e da política de “escola de qualidade para todos”. Para Mantoan (2004) o movimento inclusivo preconiza a inserção incondicional de todos os alunos. Ela lembra ainda que, apesar  das escolas resistirem muito  à inclusão no sentido amplo e total (englobando todos os alunos sem exceção), de acordo com a  Constituição e a LDBEN/88, não se pode negar a nenhum aluno a matrícula obrigatória nas escolas comuns de ensino regular.

Por outro lado, mais do que insistir no debate do que seria politicamente correto em termos de inclusão das crianças Portadoras de Necessidades Educativas Especiais (PNEE), cabe-nos perguntar e refletir sobre as condições atuais em que se encontram as escolas e, mais ainda, sobre o modo como os professores, principais agentes da inclusão, representam esta idéia. Neste sentido, Telles (apud Santiago, 2004), alerta que “os direitos não dizem respeito apenas às garantias inscritas na lei e nas instituições(…) os direitos dizem respeito, antes de mais nada, ao modo como as relações sociais se estruturam” (p.20)

Historicamente a relação da sociedade com os indivíduos deficientes tem mudado embora permaneça uma tendência à excluí-los do convívio social mais amplo. Se, na antiguidade, a deficiência era explicada por forças sobrenaturais e o infanticídio legitimado, Amaral (apud Mena, 2000),com o Renascimento e a evolução da medicina, passou-se a lhe atribuir uma origem biológica(visão naturalista) in  Tunes e Bartolo  (  ). A partir desta visão começam a se desenvolver os estudos, os testes e as tentativas de estabelecimento de medidas de reabilitação da deficiência. Neste contexto, criam-se especializações para o tratamento das patologias e se instauram também as medidas educativas “especiais” para o atendimento das necessidades especiais destes indivíduos.

Deste modo, reflete Mena (2000) “O termo educação especial, define , por um lado , práticas educativas para crianças e adolescentes que precisam  de um atendimento, metodologia, atenção e instrumentos específicos moldados às suas necessidades especiais:deficiência auditiva, física, mental, visual, ou doença mental. Desse modo, é uma conquista da sociedade, na medida em que atende a pessoas que não conseguem usufruir dos processos regulares de ensino…Por outro lado, o termo educação especial é entendido também como uma prática segregacionista, pela maneira como se desenvolveu ao longo dos anos, servindo para legitimar a discriminação e o despreparo das instituições de ensino para lidar  com as chamadas “crianças-problema, separando-as das outras crianças” (p.122).

Este autor lembra, ainda, as diferentes formas nas quais a educação especial vem se desenvolvendo, a saber: as escolas especiais, as escolas convencionais que implantaram o sistema de classe especial e por fim as escolas convencionais que vem inserindo crianças com deficiência nas salas regulares.  Segundo Bissoli Neto (apud Mena, 2000), aproximadamente 55% dos alunos que frequëntam as classes especiais para deficientes mentais não são clientela da educação especial.

O fato é que as mudanças na constituição, assim como a expectativa da sociedade em torno da inclusão dos indivíduos com deficiência no sistema regular de ensino, tem criado amplas discussões em torno da formalização e qualidade deste atendimento. Seguindo a argumentação de Mena (2000) “colocar junto não é integrar”. Ele avalia o processo de tentativa de inclusão com algumas ressalvas e acrescenta: “O que se vê atualmente é a errônea denominação de“ integração” à colocação de crianças seriamente comprometidas em classes normais, onde inexiste qualquer condição pedagógica, educacional e terapêutica para que ela aprenda algo, ou para que ela se integre com seus colegas. Muitas vezes, realiza tarefas diferentes das propostas aos demais alunos, orientada ou ajudada por um atendente particular ( o que também contribui para aumentar a sensação de estranheza dos outros)”. ( p.125)

Desde a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e Declaração de Salamanca (1994), reconhecidamente marcos rumo à escola inclusiva, o Brasil optou pela construção de um sistema educacional Inclusivo.  A partir das considerações então formuladas “os programas de estudos devem ser adaptados às necessidades das crianças e não o contrário, sendo que as que apresentarem necessidades educativas especiais devem ter apoio adicional no programa regular de estudos em vez de seguir um programa de estudos diferente“ (Revista Construir, p. 27).

Por outro lado, todo o formato da educação vai no sentido da homogeneização e não da particularização. Para Aquino (1998), “(…) a escola, como qualquer outra instituição, está  planificada para que as pessoas sejam todas iguais. Há quem afirme: quanto mais igual, mais fácil de dirigir. A homogeneização é exercida através de mecanismos disciplinares, ou seja, de atividades que esquadrinham o tempo, o espaço, o movimento, gestos e atitudes dos alunos, dos professores, dos diretores, impondo aos seus corpos uma atitude de submissão e docilidade. Assim  como a escola tem esse poder de dominação que não tolera as diferenças, ela também é recortada por formas de resistência que não se submetem às imposições das normas do dever –ser. Compreender essa situação implica aceitar a escola como um lugar que se expressa numa extrema tensão entre forças antagônicas(…) O professor imagina que a garantia do seu lugar se dá pela manutenção da ordem, mas a diversidade dos elementos que compõem a sala de aula impede a tranqüilidade da permanência nesse lugar…” (p. 12 e 13).

Este trabalho pretende trazer à tona as dificuldades que este processo de implementação da prática inclusiva implica, a partir da subjetividade dos professores; ou seja do que lhes parece trazer dificuldades, temores e ansiedades, tanto no nível do imaginário (para aqueles que não viveram a experiência) quanto no nível  da realidade (quando poderão falar da experiência vivida) .

Considerando também que o projeto em torno da Inclusão escolar, proposto pelo ministério da Educação, pretende, até 2006, que todas as escolas se tornem inclusivas, apesar de não haver uma capacitação formalizada que atinja, por exemplo, a rede particular de ensino, espera-se que este estudo possa iniciar um debate e uma reflexão a respeito da necessidade da formação continuada para professores do ensino fundamental, bem como as especificidades do processo inclusivo e suas conseqüências para a educação de forma mais ampla.

Objetivo Geral:

 Identificar a ótica dos professores a respeito da Inclusão de crianças portadoras de necessidades educativas especiais(PNEE) comparando professores sem experiência de inclusão (PSEI)  com a queles que já tiveram esta experiência (PCEI).

Objetivos Específicos:

  • Analisar a avaliação que o professor faz das suas experiências com o aluno portador de necessidades educativas especiais. (PNEE), focalizando, por um lado, seus temores e expectativas, e por outro, as dificuldades  e benefícios desta experiência.
  • Analisar a visão dos professores que não tiveram experiência com educação inclusiva a respeito da inclusão de crianças PNEE contemplando seus possíveis temores e  e expectativas,além das dificuldades e benefícios  que este processo implicaria caso ocorresse em sua sala de aula.
  • Comparar a visão dos dois grupos de professores com relação aos objetivos anteriores.

Metodologia:

Campo

Foram escolhidas três escolas de classe média alta de um mesmo bairro da cidade de Salvador, que vêm tendo experiência de inclusão de alunos PNEE em suas classes regulares há alguns anos.

– Sujeitos:

Foram utilizados dois grupos de professores: um grupo de 05 professores que tiveram pelo menos um aluno com necessidade educativa especial nos últimos cinco anos, chamados de PCEI(professores com experiência inclusiva) e um grupo controle de 04 professores que jamais tiveram experiência com educação inclusiva, chamados de PSEI( professores sem experiência inclusiva) . Os PCEI estavam distribuídos em duas escolas, chamadas de A e B enquanto que os PSEI estavam concentrados na escola C. Neste estabelecimento não foi possível contactar 5 professores pois este era o número total encontrado de professsores que atendiam o critério de nunca terem tido uma experiência inclusiva. As professoras eram todas do sexo feminino de idade ignorada, do ensino fundamental – primeira à quarta série.

 -Instrumento:

O instrumento utilizado foi um questionário com respostas abertas contendo perguntas relativas a percepção do professor a respeito de sua própria vivência da inclusão, a respeito da vivência do aluno incluído e a do grupo como um todo. O professor podia escolher se ele mesmo escreveria suas respostas ou se estas seriam escritas pelo entrevistador.O questionário foi respondido individualmente.

 -Procedimentos:

As escolas foram inicialmente contactadas, momento em que foi explicado o teor do estudo, suas características e procedimentos. Os coordenadores do ensino fundamental identificaram o grupo de professores que se encaixavam nos critérios da amostra e em seguida o estudo foi apresentado para os professores selecionados, que, de acordo em participarem da pesquisa, responderam ao questionário, sem que fosse registrado seu nome ou série em que ensinavam.

Após a coleta dos dados, foram identificadas três categorias : A vivência do professor com  6 sub-categorias ( temores; expectativas de ajuda à criança; necessidade de adaptação curricular; necessidade de supervisão;avaliação diferenciada;parceria coma família) a vivência da criança incluída, com duas sub-categorias ( dificuldades no processo de aprendizagem/socialização; benefícios para a criança) e a vivência do grupo, com três sub-categorias ( dificuldades na aceitação da  criança PNEE; benefícios para o grupo; preconceitos)

 Resultados  e Discussão

Tabela 1 : A vivência do professor acerca da inclusão de CPNEE

PSEI                                                 PCEI
Temores frente à inclusão 3- 75%                                               3-60%
Expectativa de ajudar o desenvolvimento da criança 4-100%                                              5-100%
Necessidade de adaptação curricular 1-25%                                                3-60%
supervisão 4-100%                                              5-100%
Avaliação diferenciada 4-100%                                              5-100%
Parceria com as famílias 3-75%                                                5-100%

Em relação aos temores frente ao processo inclusivo, no grupo dos PSEI foram apontadas as

questões do despreparo do professor frente à inclusão, o medo do fracasso frente às expectativas de ajuda pedagógica e também o medo do desconhecido.Constatamos que no grupo dos PCEI duas das 5 professoras expressaram não ter medo desta experiência; uma temia  o próprio desafio; outra o fato de não conseguir dar conta das necessidades especiais da criança e outra  relata o medo de não conseguir cumprir o conteúdo programático.

Manzanares(2001), alfabetizadora de classes regulares, que passou a trabalhar com alunos portadores da Síndrome de Down ilustra bem  os receios por que passou antes de se decidir a trabalhar com esta clientela, dita “ especial”. “O convite era honroso e assustador. O novo, meu preconceito, a síndrome, a idade dos alunos, a expectativa em torno, o medo do fracasso, o motivo do convite, eram algumas origens dos meus temores”. (p. 14)

Apesar dos temores estarem presentes nos dois grupos de professores, percebe-se que no grupo de PSEI há uma maior incidência destes temores, o que pode revelar que a experiência inclusiva é menos difícil na prática que quando apenas imaginada.

Na questão das expectativas em relação à experiência inclusiva os professores com e sem experiência Inclusiva foram concordantes no sentido de desejarem ajudar a criança a avançar. As expectativas foram similares e se centraram nas possibilidades de aprendizado da criança PNEE

Já a questão relativa ao currículo revela uma discrepância entre aqueles que não vivenciaram o processo da inclusão e os que têm tido esta prática. Junto aos PSEI apenas um professor (25%da amostra) pensou ser necessária a adaptação curricular enquanto que no grupo dos PCEI , 3 deles necessitaram adaptar o currículo( 60% da amostra)

Esta questão traz à tona a discussão em torno do currículo atual, dos objetivos da educação, e a inclusão é apenas um aspecto, decerto complexo e polêmico, mas que identifica pontos críticos em torno da educação de forma mais abrangente. Werthein (apud Morin, 2001) cita os pilares nos quais deveria se basear a educação comtemporânea, segundo o relatório DELORS. Seriam eles: Aprender a ser, a fazer, a viver juntos e a conhecer.(pág.11). Morin (2001) diz que “o ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na educação por meio de disciplinas, tendo se tornado impossível aprender o que significa ser humano.”( p. 15).

Gallo(2000) escrevendo sobre o processo de disciplinarização dos currículos escolares comenta:   “Quando assiste uma aula de história, cada aluno abre a gavetinha de seu arquivo mental onde guarda os conhecimentos históricos; ao final da aula, fecha essa gavetinha e abre aquela referente à matéria a ser estudada na próxima aula e assim por diante…E como cada uma das gavetinhas é estanque, sem nenhuma relação com os demais, os alunos não conseguem perceber que todos os conhecimentos vivenciados na escola são perspectivas diferentes de uma mesma e única realidade…”

No Tocante à necessidade de supervisão e/ou formação, para os professores não houve discordância entre os dois grupos: todos ao professores entrevistados concordam com a necessidade da formação continuada, do trabalho de equipe e de supervisão constante da prática pedagógica. Também ressaltam a falta de preparo nas suas formações para o atendimento desta clientela PNEE.

A questão relativa à avaliação também foi concordante embora pouco elucidativa. Para os PSEI a utilização de métodos diferenciados se faz necessária. Para os PCEI foi feita em todos os casos uma avaliação adaptada, considerada Processual. Entretanto o fato de ser processual foi pouco esclarecido. Neste tema os PCEI falaram da adequação da avaliação ao nível de aprendizado da criança, de considerar uma avaliação não só pedagógica, mas também da interação com o grupo, de acrescentar a avaliação dos especialistas que acompanham a criança ou de adaptação de consígnias e da extensão de tempo para as avaliações das crianças PNEE.

Pudemos constatar que todas as respostas relativas aos métodos de avaliação foram singulares, mesmo em se tratando de grupos de professores de apenas duas escolas. Os métodos de avaliação não estavam sistematizados, o que nos aponta para a questão da complexidade do processo avaliativo destas crianças.Podemos supor que cada escola, ou até mesmo cada professor está, em cada caso, pensando e se utilizando de métodos particulares para cada aluno incluído, o que talvez não venha a representar uma dificuldade em si, mas até uma vantagem.

Filidoro (2001) considera que as adaptações curriculares devem atender não só às necessidades educativas de cada uma das crianças mas também às possibilidades do professor.  Trata-se de um processo dinâmico e interativo em que as características da criança, do grupo como um todo e dos próprios professores  são fatores interdependentes.

Neste estudo, o fato dos PCEI terem sido unânimes quanto ao reconhecimento da eficácia dos  métodos de avaliação utilizados para a identificação das habilidades e conhecimentos das crianças  pode indicar que estes métodos, individualmente pensados para cada caso, foi uma estratégia bem sucedida mas também não  podemos deixar de cogitar uma possível falta de conhecimento nesta área, o que limitaria a possibilidade de críticas mais consistentes para avaliarem  o próprio processo avaliativo.

No aspecto relativo à participação da família na inclusão de crianças PNEE na rede regular de ensino, 3 dos 4 PSEI (75%) ressaltaram a necessidade de parceria com a escola.  Com relação aos PCEI os 5 professores (100%) ressaltaram a importância da atuação das famílias no que se refere ao encorajamento e estímulo, ou o atendimento ás demandas da escola. Podemos sugerir que para aqueles que não têm a prática, os receios são maiores e as dificuldades mais cogitadas.  Eles também tentaram se assegurar de que os pais tivessem sua dose de responsabilidade implicada num processo que pressupõe ser de responsabilidade partilhada e não delegada. O fato de todos os professores com a prática não terem se queixado da falta de atendimento da família às demandas escolares pode indicar que as famílias tem correspondido ao papel que é delas esperado no que se refere à inclusão escolar de seus filhos, inclusive informando sobre o diagnóstico de seus filhos, temor ressaltado por uma professora sem experiência inclusiva.

Tabela 2 : A vivência do processo de inclusão pela criança PNEE

PSEI PCEI
Dificuldade na aprendizagem/  socialização 3- 75% 3-60%
Experiência benéfica 2-50% 4-80%

Sobre as dificuldades observadas no processo de inclusão das crianças, 75% dos PSEI pensam que as crianças PNEE devem apresentar dificuldades na aprendizagem e/ ou socialização.Já com os PCEI , 60% deles considerou que seus alunos incluídos apresentavam aquelas dificuldades. Vale salientar que as professoras que ressaltaram mais dificuldades no processo de aprendizagem de seus alunos, são aquelas em cujas escolas não houve adaptação curricular.Suas falas ilustram as dificuldades:

P.2: “quando não acompanha o conteúdo, tende a se excluir do grupo”

P.3: “ Sempre que sente alguma dificuldade, verbaliza algum mal-estar”.

Podemos supor que a falta de maior flexibilidade curricular implicam em um maior sofrimento por parte das crianças incluídas como supunham as professoras sem experiência inclusiva quando ressaltavam a frustração, e a ansiedade relativos a estes processos. Neste grupo das PCEI , as que não relataram dificuldades no processo de aprendizagem assim se referiram aos seus alunos:

P1: “Há o desejo de aprender , isto torna a  relação  com as avaliações tranqüila”.

P4: “Com relação à aprendizagem, investe-se inicialmente com o vínculo, com a confiança e a segurança. Depois de garantida esta etapa, já se consegue realizar as atividades com mais independência”.

P5: “aprende com satisfação quando se interessa pelo tema abordado”.

Quanto aos benefícios para a criança incluída, 50% dos PSEI imaginavam que esta experiência traria benefícios para a criança PNEE. Já com os PCEI, 80% consideraram a experiência benéfica não só para a criança incluída mas também para todo o grupo de alunos. Este é um importante aspecto a ser analisado uma vez que umas das maiores dificuldades em relação à implementação da escola inclusiva é o preconceito das famílias em particular e da sociedade como um todo de que apenas os sujeitos deficientes se beneficiariam desta medida, comprometendo assim o progresso dos não deficientes.

Por outro lado, as escolas especiais se pautaram na crença de uma educação especializada em ambientes segregados considerando que esta opção é a que traria melhores benefícios para a criança deficiente. Parece legítimo supor que ambos os paradigmas necessitam de uma reavaliação.

Entretanto, do grupo dos PSEI 50% dos professores consideraram que a experiência poderia não ser benéfica para a criança PNEE justificando os casos em que a inclusão não se mostra viável ou possível. A controversa questão de quem pode ser incluído encontra-se atualmente num amplo debate.  Dentro da perspectiva da filosofia da “Educação de qualidade para todos” para alguns pressupõe a inclusão em todos os casos de deficiência, enquanto que para outros a análise do “caso a caso” deve prevalecer . Para Mantoan (2004), a inclusão “aplica-se a todos os que se encontram permanente ou temporariamente incapacitados” a autora dá ênfase a esta questão porém ressalta  mais adiante que os que atualmente são excluídos têm direito a “interagirem com  autonomia e dignidade no meio em  que vivem”.  (p. 12 e 13)

No nosso pequeno estudo 3 das 9 professoras entrevistadas falaram de suas preocupações com determinados casos para inclusão.Uma delas considerou “um caso especial” dentro da população de crianças PNEE o fato da criança  ter uma Paralisia cerebral grave (com utilização de cadeiras de rodas e ausência de linguagem). Podemos também nos perguntar se estes casos muito graves teriam condições mínimas de assegurar sua autonomia e dignidade num ambiente que oferece tantos desafios complexos para suas poucas possibilidades psíquicas e cognitivas. Esta questão certamente merece maiores reflexões talvez motivadas por estudos mais aprofundados sobre esta temática.

Paez (2001) pondera que apesar do direito de integrar-se numa escola fundamental ser direito de todos, é preciso também ter condições para poder exercê-lo.  “Essas condições precisam ser dadas às crianças, aos pais e aos profissionais”..e acrescenta mais adiante : “ A pessoa com problemas de desenvolvimento integrada numa escola comum, pode beneficiar-se por estar nela mas requer necessariamente uma educação especial”. ( p. 33)

Tabela 3 : A vivência do processo de inclusão para o grupo como um todo.

PSEI PCEI
Dificuldades para aceitar a criança PNEE 3-75% 1-20%
Benefícios para o grupo 4-100% 5-100%
Preconceitos 3-75% 4-80%

No Tocante à aceitação da criança PNEE em sala regular, três dos PSEI disseram acreditar que seu grupo de alunos não aceitaria bem uma criança PNEE.Já no grupo dos PCEI apenas uma professora (a P.2 que considera seu aluno parcialmente excluído até hoje) revelou dificuldades na aceitação do colega PNEE por parte do grupo de alunos).

Apesar de vislumbrarem dificuldades todas as PSEI supõem que a inclusão seja benéfica para todo o grupo de crianças de sua classe, enfocando o desenvolvimento da solidariedade( P.1 e P.3) e de respeito às diferenças (P.2 e P.4). Também no grupo de PCEI todos foram unânimes em destacar os benefícios para o grupo como um todo destacando a transmissão de valores como tolerância e solidariedade (P.1) , e respeito às diferenças( P.3,4 e 5).Podemos mais uma vez supor que a experiência realizada se apresenta menos difícil que aquela imaginada pelos professores que não a realizaram embora os benefícios sejam mais fortemente ressaltados nos dois grupos de professores, inclusive identificando a importância da transmissão dos mesmos valores éticos, considerados importantes para a formação moral dos seus alunos.

Para Morin (2001) “a condição humana deveria ser objeto de todo ensino” (pág.15). Freitag,(2001) em concordância com Morin escreve: “Talvez seja menos importante um analfabeto aprender o ABC do que aprender critérios morais e ascender na escala da moralidade e saber o que é justo e  o que é injusto; o que é correto e o que não é correto; o que é agir bem e o que é agir mal.” (pág.84)

Com relação às dificuldades imaginadas e vivenciadas,os professores de ambos os grupos ( 75% dos PSEI e 80% dos PCEI) revelaram ter um grande desafio frente à emergência dos preconceitos e destacaram a necessidade imaginada ou realizada de constantes debates para a discussão e reflexão desta temática em sala de aula.

Conclusões

Os dois grupos de professores foram concordantes nos seguintes aspectos: todos os professores pesquisados manifestaram a expectativa de poder ajudar o aluno PNEE a desenvolver suas habilidades e contribuir para seu aprendizado. Todos eles também consideraram de suma importância a presença de supervisão e/ou formação continuada para dar uma assessoria às suas práticas pedagógicas. Também foi unânime a idéia de que há uma necessidade de avaliação diferenciada dos alunos PNEE. A maioria dos professores destacou o preconceito como um grande desafio para o professor que precisa incluir esta temática em sua sala de aula.

Outros dados foram discordantes ou revelaram uma discrepância : O grupo dos PSEI se mostrou mais temeroso a respeito da experiência inclusiva que o de PCEI. A necessidade de adaptação curricular só foi mencionada por uma professora do grupo de PSEI( 25%)  enquanto que no grupo dos PCEI esta necessidade foi indicada em 60% dos professores. A parceria com as famílias foi uma preocupação de 75% dos PSEI enquanto que para 100% dos PCEI esta parceria foi realizada satisfatoriamente. As dificuldades de aprendizagem e socialização foram imaginadas por 75% dos PSEI enquanto que se revelaram a realidade em apenas 60% dos casos dos PCEI. A experiência foi pensada como benéfica em apenas 50% dos PSEI enquanto que para o grupo dos PCEI esta avaliação positiva subiu para 80% dos entrevistados. Finalmente, a dificuldade de aceitação da criança PNEE foi cogitada por 75% dos PSEI enquanto que apenas 20% dos PCEI relatou ter tido esta experiência.

Considerações finais

Finalmente, baseado nestes dados muito limitados em número de casos e em número de escolas, especialmente por se tratar de estabelecimentos de ensino que já estão recebendo crianças com necessidades educativas especiais há alguns anos, pudemos considerar que nas escolas pesquisadas o grupo de professores parece bastante favorável à experiência inclusiva e que os medos ressaltados por aqueles que não tiveram esta prática se revelaram pouco consistentes comparando-se com o discurso daqueles que vivenciaram tal experiência.

O fato das avaliações terem sido feitas de um modo bastante individualizado e o nível de satisfação dos professores em relação a estas medidas avaliativas abre o questionamento acerca desta prática, a meu ver, pouco criticada para uma função tão complexa especialmente abarcando quadros de deficiência tão distintos. Deste modo outros estudos poderão se centrar mais na análise dos processos de avaliação das crianças PNEE.

Consideramos que o aparecimento das condutas discriminatórias se revela um grande desafio para o professor, o grupo de alunos de forma geral e da criança PNEE em particular, que, se bem enfrentado se revela uma grande oportunidade de desenvolvimento de todos os implicados. Podemos sugerir que o fato dos professores considerarem o processo inclusivo benéfico está diretamente relacionado ao fato destes professores aqui pesquisados se sentirem apoiados em suas escolas, seja pelo serviço de Orientação, seja pela coordenação pedagógica.Supomos ainda que nas escolas públicas ou mesmo nas particulares em que não haja uma presença atuante da coordenação pedagógica ou do serviço de Orientação educacional, este processo se revelaria bastante difícil tanto para professores quanto para os alunos.

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REVISTA CONSTRUIR. PÁGS 25-27. ( Sem autor)

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